Érebus

Por L. Orleander

Haviam as noites frias e as noites chorosas, solitárias, eu diria. Noites onde a única canção de ninar eram os ecos das gotas lamuriosas de chuva batendo nas telhas antigas.

Noites mal dormidas e de pedidos tristes á qualquer entidade que esteja disposta a ouvir.

E como dizem: Cuidado ao olhar para um abismo, uma hora ele te olha de volta, e algumas vezes, ele responde…”

Lembro que naquela noite fazia frio. Duas cobertas, um coração dolorido e as luzes apagadas, o breu.

Lembranças vagueavam em minha mente, dançando diante dos meus olhos. Cravavam pregos onde mais doía, não machucavam a pele, mas eu sentia como se assim fosse.

Eu só queria que a dor sumisse e acima de tudo, me esquecer de cada pormenor que me mantinha cativa.

A voz surgiu do nada, de algum lugar isolado em minha mente, me convidando, me provocando, algo em mim queria me pregar uma peça de mal gosto, no entanto, veio o calor e a sensação de pertencimento.

Àquilo me chamou pelo nome, sentou-se em minha cama e me pediu para deixa-lo ficar, questionei a razão e um leve toque de escuridão, desceu de meu rosto a clavícula, ardendo em desejo animalesco, minha mente turvou-se e refém do que mais almejava, eu cedia sem pestanejar.

O toque reverberava por meu corpo inteiro me levando á lagrimas entre o prazer e a aflição, meu cerne berrava pedindo mais enquanto ele sussurrava obscenidades em meu ouvido, dizia que podia ser quem eu quisesse, em troca, eu daria minha companhia, ah se eu soubesse…

Minha cabeça, num átimo de consciência, rodopiava em gritos e meu corpo enviava sinais de alerta, avisando do perigo iminente: nada daquilo acabaria bem, mas eu não me importava.

Roubei o néctar dos deuses naquela noite e enlouqueci, da forma que eu mais desejava em meus pensamentos mais ocultos, me beijou o mesmo beijo quente e voluptuoso, a cor dos olhos, rasgando minha alma em pedaços, tinha o mesmo brilho, os contornos do corpo que se encaixavam tão bem no meu, estavam ali, exatamente iguais para me satisfazer uma vez mais.

O delírio tomava conta do meu quarto entre um gemido e outro, me tornando surda a risada diabólica que agora estava acima de mim, me possuindo com uma investida cada vez mais forte e precisa, o medo deu lugar ao clímax e eu padeci.

Não havia corpo na manhã seguinte, exceto as olheiras que já me eram familiares e para mim, tudo aquilo não havia passado de um sonho.

Os dias passaram e como um viciado, eu sofri com a abstinência e passei a chamar, a clamar por ele, mais vezes do que o necessário, e ele vinha. Respondia de imediato e amanhecia o dia ao meu lado, para em seguida eu sentir a ausência em minha cama.

Aos poucos veio a perca de peso, a falta de apetite e em seguida a fotofobia passou a ser minha companheira.

Com o tempo veio a agressividade, eu não notava, a necessidade não ficava mais entre as paredes de meu quarto, e eu devoraria qualquer um por inteiro apenas para aplacar minha vontade.

O abismo agora me olhava e gargalhava de minha fraqueza em um novo pesadelo, minha pele apodrecia e descolava de meus ossos, porque o desejo me consumia como se fosse queimada vida.

Acordei suando em bicas e gritando, enquanto me tocava nas partes que perdi durante o sono. O silêncio absoluto me incomodou e tudo estava cinza, a agua escorria por minha janela de maneira ociosa.

Levantei-me assustada e corri para o banheiro, a náusea veio forte, mas doeu apenas em meu estômago, enquanto um líquido escuro descia entre minhas pernas.

Do outro lado do espelho, um outro eu me fitava, movendo a cabeça de um lado a outro com curiosidade, repuxando a pele de meu rosto e sorrindo friamente.

O mesmo olhar que me pediu companhia, agora me encarava, transformando-se em outros rostos e se despedindo.

O espelho começou a trincar e com ele, gritos estridentes e desesperados me acertaram com os cacos, sombras subiam por minhas pernas nascida do líquido que eu havia vertido, o horror tomou meu corpo e eu perdi o controle de minhas próprias mãos, que com força descomunal me dilaceravam e apertavam meu pescoço.

Gritei, mas já não havia o que fazer…

Agora vago em teu espelho, assombrando seus sonhos, buscando para ele, outros!

Seguimos você em cada reflexo, espreitando seus desejos mais mesquinhos e suas dores mais doentias, esperando uma brecha.

Cuidado: Quando você nos olha, nós olhamos de volta, e na maioria das vezes, buscamos você!”

FIM?

Gostou? Comente!